Nota do Consea

Cuscuz com OXE. Até quando? Resultados recentes sobre a situação de Insegurança alimentar nos estados brasileiros revelam o previsível (infelizmente), alagoanas e alagoanos passam fome.

30/09/2022 11h14

A fome volta a mídia! Porém, é possível afirmar que ela nuca deixou de ser presente na vida de muitas alagoanas a alagoanos que vivem sob a égide das mesmas práticas políticas dos mesmos governantes há anos. 

O Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional de Alagoas/CONSEA-AL, no uso de suas atribuições legais, vem a público se manifestar sobre resultados do II Inquérito Nacional da Insegurança Alimentar no Brasil no Contexto da Covid-19 (II VIGISAN), realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional/Rede PENSSAN.

Assusta saber que Alagoas é o estado do país em que os casos de insegurança alimentar grave são mais frequentes. Segundo a pesquisa, 36,7% da população passa fome, o que corresponde a cerca de 1 milhão e trezentas mil pessoas. 

Considerando os três níveis de insegurança alimentar chegamos a mais de 2,6 milhões de alagoanos e alagoanas que convivem cotidianamente com a fome. Em outras palavras, são famílias que não tem certeza se chegarão ao final do mês com comida na mesa. Outras, até tem algo para comer, mas seguem uma rotina alimentar monótona (todos os dias comem a mesma coisa), por exemplo, comem fubá nas três refeições, sem a chamada mistura, sem vegetais como legumes, verduras, frutas, raízes e tubérculos, ou seja, sem diversidade e variedade. Há ainda as famílias que comem menos quantidade para que todas as pessoas que moram na casa possam comer um pouco do que tem. E, por fim, a situação mais extrema, são as famílias que passam fome. Não possuem alimentos. Não tem como adquirir alimentos – financeiramente e fisicamente – e também não estão inseridas em nenhuma rede de apoio para receber alguma doação de alimentos. Em percentual temos a seguinte distribuição em Alagoas: Segurança alimentar – 22,2%; Insegurança alimentar leve – 22,9%, Insegurança alimentar moderada – 18,2%, Insegurança alimentar grave - 36,7%.

A IA grave que atinge 15,5% da população brasileira. Nosso Estado, Alagoas, é mais que o dobro da média nacional! 

Segurança alimentar: situação em que há acesso pleno e estável a alimentos em qualidade e quantidade adequados.
Insegurança alimentar leve:
medo de faltar comida que leva a família a modificar a qualidade dos alimentos.
Insegurança alimentar moderada: 
além de estar com a qualidade da alimentação comprometida, não tem alimentos para todos que moram na casa. Adultos comem menos para que crianças ainda tenham o que comer.
Insegurança alimentar grave:
todas e todos que moram na residência passam fome, incluindo as crianças.

As perguntas que devemos fazer são: Por que ainda convivemos com o flagelo da fome no cotidiano? Como é possível um estado como Alagoas com uma diversidade regional incrivelmente produtiva entre os biomas da Mata Atlântica e Caatinga – sertão, agreste, litoral – que por sua vez, tem condições de produzir uma diversidade alimentar com qualidade, ainda tem que lidar com essa realidade de fome, no campo, nas cidades, nas águas e nas florestas? As respostas são diversas e, por si só, complexas. Porém, não é possível permanecermos inertes sem fazermos/propormos algo. 

Outros pontos que merecem reflexão sobre a situação miserável que vivem boa parcela da população alagoana e que impacta diretamente da alta proporção de famílias em insegurança alimentar tem a ver com o acesso à renda (trabalho formal, informal e grau de escolaridade):

  • A proporção de famílias com renda de até ½ Salário-Mínimo per capita (cerca de R$600,00) é de 77,6% e 59,6% destas famílias estão com IA moderada + grave.
  • A proporção de famílias com renda entre ½ e 1 Salário-Mínimo per capita é de 43,7% e 59,6% destas famílias estão com IA moderada + grave.
  • No Nordeste, Alagoas é o estado que concentra a maior proporção de domicílios (27%) com ao menos uma pessoa desempregada;
  • Alagoas supera todos os estados da federação em relação a proporção de endividamento das famílias, 57%.
  • A presença de SA e insegurança alimentar leve está associada a presença de algum membro da família com emprego formal.
  • Em domicílios cuja pessoa responsável tinha menos de 8 anos de estudo, a proporção de famílias vivendo em situação de IA grave superava a média nacional (21,1%). Em Alagoas menos nestas situações, 46,1% vivem em IA grave.
  • Nos domicílios alagoanos onde existem crianças menores de 10 anos, 59,9% convivem com a insegurança alimentar moderada ou grave.

Em um contexto político, no qual estamos em processo de escolha sobre quem – entre representantes do executivo (governo do estado e presidência) e do legislativo (deputados e deputadas, senadores e senadoras) - irá conduzir os processos capazes de transformar as realidades, é preciso pautar o compromisso político (e público) das candidaturas para não apenas discursar sobre os dados da fome no nosso estado, mas sim se comprometer em mexer, efetivamente, com as estruturas da nossa sociedade que nos coloca nesse quadro de vergonha nacional. 

É preciso garantirmos, nos debates e em todos os cenários políticos dos munícipios e do Estado, a necessidade de resgatarmos e/ou inovarmos com a criação e a implementação de políticas públicas, de programas e/ou ações estratégicas que possam superar não apenas a fome, mas também as desigualdades sociais que imperam no território alagoano.

O Estado de Alagoas é potente! Em gente. Em natureza. Em comida, arte e cultura. Mas, para essa potência eclodir de forma a transformar a vida de quem aqui vive é preciso agir! Desse modo, e mais do que nunca, é preciso construir o Plano Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional/PLANSAN com ações explícitas que valorizem a nossa agricultura familiar e camponesa pautando temas como:

  1. a questão fundiária, não apenas no meio rural, mas também pensando nas cidades e nas águas, garantindo o acesso à moradia digna, e ainda demarcando territórios indígenas, de povos e comunidades tradicionais e quilombolas;
  2. assessoria técnica que priorize uma matriz produtiva agroecológica, por isso é fundamental o investimento na formação de agentes tais como as universidades (federal e estadual), os Institutos Federais aliando a esse item, a realização de concursos públicos para a contratação de profissionais;
  3. acesso à crédito por parte do segmento da agricultura familiar e camponesa para o investimento nas unidades produtivas (como unidades de beneficiamento de alimentos, agroindústrias, captação de água, proteção de nascentes/fontes);
  4. fortalecer as políticas públicas como a alimentação escolar e a compra direta da agricultura familiar e camponesa, entre outras ações que contemplem e beneficiem de forma direta e indireta toda a população alagoana.

Esta nota foi elaborada com a excelente colaboração da Professora Islandia Bezerra, professora da Faculdade de Nutrição/UFAL e presidenta da Associação Brasileira de Agroecologia.

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